Mina de São Domingos

Corte do Pinto, Mértola

Malacate de São Domingos - Julho de 2003
Malacate de São Domingos - Julho de 2003

Introdução

A Faixa Piritosa Ibérica é rica em locais mineiros e um desses locais com algum destaque representativo do inicio do século XX, é a corta da mina de S. Domingos. A mesma é um ex-libris da antiga mineração no sul de Portugal quanto á sua beleza paisagística mineira e também ao seu elevado potencial museológico. Do ponto de vista científico a região do Pomarão foi particularmente importante no avanço do conhecimento da Faixa Piritosa onde foi estabelecida a primeira sequência litostratigráfica para esta Faixa Piritosa (Delgado, 1910) com a identificação pela primeira vez de fósseis com valor estratigráfico (Pruvost, 1912/13). Foi ainda no anticlinal do Pomarão que (Van Den Boogaard , 1967) erigiu, com grande rigor, a estratigrafia do Complexo Vulcano-Sedimentar da Faixa Piritosa Ibérica e cujo trabalho ainda serve presentemente como um marco no conhecimento da geologia da Faixa Piritosa Ibérica.

Localização

Localização da mina por satélite
Localização da mina por satélite

A mina de São Domingos situa-se na freguesia de Corte do Pinto no município de Mértola no Baixo-Alentejo. O acesso à mina faz-se através da N265 com inicio em Mértola e direção à aldeia da mina de São Domingos e que dista 18Km.

Alguns aspetos fotográficos

Mina de São Domingos - (Terceira Dimensão)
Mina de São Domingos - (Terceira Dimensão)
Corta - (Auf s. Pfaden)
Corta - (Auf s. Pfaden)
Achada do Gamo - (Auf s. Pfaden)
Achada do Gamo - (Auf s. Pfaden)
Saída dos Zorritos - (C.E.M.S.D.)
Saída dos Zorritos - (C.E.M.S.D.)
Saída dos Zorritos - (C.E.M.S.D.)
Saída dos Zorritos - (C.E.M.S.D.)
Ruinas das instalações - (Wikipédia)
Ruinas das instalações - (Wikipédia)

Geologia

Faixa Piritosa Ibérica (FPI) - Localização da Mina de São Domingos
Faixa Piritosa Ibérica (FPI) - Localização da Mina de São Domingos

A mina de São Domingos constitui um dos exemplos de jazigos de sulfuretos maciços polimetálicos da Faixa Piritosa Ibérica (FPI). Estes sulfuretos foram formados em ambiente marinho, durante o Devónico superior à 380Ma. As estruturas mineralizadas apresentam-se em veios entrecruzados de minério maciço, associadas a rochas vulcânicas e sedimentares afetas ao Complexo Vulcano-Sedimentar (CVS) da FPI. Estes jazigos afloram à superfície nos chamados chapéus de ferro e que correspondem à zona de enriquecimento supergénica com a consequente oxidação dos sulfuretos.

Mina de São Domingos - extrato da folha 46-D - Mértola
Mina de São Domingos - extrato da folha 46-D - Mértola

O jazigo de São Domingos é constituído por uma massa de minério sub-vertical e direção E-W, com cerca de 537m de extensão e possança inferior a 70m. O depósito localiza-se numa sequência de rochas vulcânicas ácidas (riólitos e riodacitos) e básicas e xistos negros do CVS. O minério é constituído por pirite, esfalerite, calcopirite, galena, arsenopirite e Sulfossais. Os teores estão referenciados em Cu - 1,25%, Zn – 2,5% e S - 45%. 

Em baixo localização da massa de minério na corta da mina de São Domingos.

Carta geológico mineira da corta da mina de São Domingos - N.E. da folha 46-D - Mértola
Carta geológico mineira da corta da mina de São Domingos - N.E. da folha 46-D - Mértola

História

Forno nº 1 de enxofre - Achada do Gamo - 1952 - (C.E.M.S.D.)
Forno nº 1 de enxofre - Achada do Gamo - 1952 - (C.E.M.S.D.)

O grande rio do Sul denominado hoje de Guadiana e a sua fácil navegabilidade contribuíram para a fixação humana desde tempos remotos. A riqueza mineira que caracteriza a região, favoreceram aqui a fixação de diversas comunidades humanas em torno de finais do 111° milénio A.C., no período do Calcolítico ou idade do Cobre. Perto da mina de S. Domingos no sítio dos Gaimanitos existem vestígios arqueológicos desse período, o qual estaria nessa altura sobre o domínio dos Tartessos que exploravam minas de cobre e prata. O produto explorado pelos Tartessos depois era comercializado através dos pseudo portos fluviais de Mértola e Chança com outros povos do mediterrâneo, designadamente com os Fenícios. A partir do séc. I A.C. até próximo do séc. IV D.C., os Romanos no sítio de São Domingos tinham milhares de escravos a trabalhar o filão do chapéu de ferro na extração de ouro, prata e cobre. Deixaram vestígios de trabalhos subterrâneos sob a forma de pequenas galerias as quais chegaram até aos 20m de profundidade.

Vestigios de galeria romana na corta da mina de São Domingos - (C.E.M.S.D.)
Vestigios de galeria romana na corta da mina de São Domingos - (C.E.M.S.D.)

 Os vestígios destas galerias podem ser observadas no lado norte da Corta da mina de São Domingos. O volume desmontado destes trabalhos calcula-se em 150.000 m3 e para esgotar as águas das minas, os Romanos usavam rodas hidráulicas, pois na segunda metade do seculo XIX, na mina de São Domingos, terá aparecido uma roda hidráulica de origem romana muito bem conservada, a qual depois foi ofertada em 1864 pelo engenheiro francês Ernest Deligny ao Conservatório Imperial de Artes e Ofícios, em Paris. 

Roda romana de São Domingos
Roda romana de São Domingos
Roda romana de São Domingos - (C.E.M.S.D.)
Roda romana de São Domingos - (C.E.M.S.D.)

Com o fim do império romano a ocidente, a região foi dominada entre os séculos V e VII por povos Germânicos, principalmente por Visigodos, os quais não deixaram indícios de exploração mineira nesta zona. Em 711-718 DC a Península Ibérica foi invadida pelos árabes, liderados por Tárique ibn Ziade. Durante a ocupação árabe exploraram as riquezas minerais de S. Domingos, contudo esta exploração mineira foi muito inferior à efetuada pelos Romanos. Só a partir da segunda metade do séc. XIX durante o governo de Fontes Pereira de Melo e com o inicio da revolução industrial é que existem registos de explorações mineiras para a maioria das minas em território português. Em 1851 onde haveria de nascer a mina de S. Domingos, existia unicamente sobre o chapéu de ferro, uma pequena ermida dedicada a São Domingos, santo que depois deu mais tarde em 1858 o nome à povoação. Entre 1850 e 1851 foram publicados alguns artigos na Revista Mineira por João Maria Leitão (1819-1870), enquanto estudante na Escola de Minas de Paris, que aludiam para o facto de algumas minas do sul de Portugal, geologicamente serem semelhantes com as minas do Huelva na Andaluzia em Espanha. Por esta altura o diretor das minas de Tharsis e Calañas no Huelva era o engenheiro francês Ernest Deligny que se interessou pela informação destes artigos e, entre 1853 e 1859 enviou homens da sua confiança (Nicolau Biava e Juan Melbourrien) para averiguarem e pesquisarem locais de mineração no sul de Portugal. Em 1854 o italiano Nicolau Biava descobre em São Domingos os antigos trabalhos de mineração dos romanos e amontoados de antigas escórias de fundição nas proximidades do Pego da Sarna, o ponto da linha de água com o mesmo nome onde chegava uma nascente de água sulfurosa (proveniente da lixiviação natural dos minérios presentes), cujas propriedades químicas a tornavam própria para debelar problemas dermatológicos.

Primeiros trabalhadores da mina de São Domingos - 1857 - (C.E.M.S.D.)
Primeiros trabalhadores da mina de São Domingos - 1857 - (C.E.M.S.D.)

A 16 de Julho de 1854, Nicolau Biava entregou o requerimento da descoberta da mina de São Domingos no município de Mértola, cujo registo viria a ser confirmado mais tarde em 07 de Outubro de 1857 através do Diário de Governo nº 36. Entretanto cinquenta trabalhadores (foto acima representada) de nacionalidade Italiana e Espanhola começaram a laborar diariamente nos antigos poços da mina a cargo de Nicolau Biava.

Planta de demarcação da área concessionada da mina de S. Domingos - 1858 - (C.E.M.S.D.)
Planta de demarcação da área concessionada da mina de S. Domingos - 1858 - (C.E.M.S.D.)

 A 22 de Maio de 1858 através do Diário de Governo nº 120 é dada a concessão provisória de exploração mineira à empresa "Sociedade Mineira La Sabina" representada por Ernest Deligny, Louis Decazes e Eugéne Duclerc. A 16 de Dezembro desse ano é lavrado o primeiro auto de demarcação da área concessionada ao qual está associada a planta acima representada e que refere apenas um polígono e os locais correspondentes aos vértices do mesmo: 

A -Serra do pego da sarna; B -Serra do vale de cambas; C -Cabeço das bicadas; D -Alto do chabocaes; E -Alto do vale da mata; F - Sinal da herdade da careta.

A 12 de Janeiro de 1859 através do Diário de Governo nº 26 é dada a concessão da exploração da mina à empresa  "Sociedade Mineira La Sabina" com direção de Ernest Deligny, Louis Decazes e James Mason que por sua vez nesse mesmo ano cedeu a concessão de exploração mineira por arrendamento à empresa inglesa "Mason & Barry Ltd" com sede em Londres por um período de cinquenta anos, podendo o prazo ser prorrogado. Assim, ainda em 1859, foi atribuída a concessão permanente para a exploração mineira da mina de S. Domingos à empresa "Mason & Barry Ltd" que marcou para todos os efeitos o início de uma época de grande atividade na Serra de São Domingos e de completa transformação da paisagem para o melhor e para o pior. Esta empresa começou por construir linha férrea com cerca de 17km para o transporte de minério desde a zona de extração até ao porto fluvial do Pomarão no rio Guadiana. 

Porto fluvial do Pomarão - 1859 - (C.E.M.S.D.)
Porto fluvial do Pomarão - 1859 - (C.E.M.S.D.)

O porto fluvial do Pomarão também foi construído pela Mason & Barry e inaugurado em 1859. O minério até 1867 era transportado em vagões sobre carris "Wagonways" puxados por animais e só depois é que foi introduzido as locomotivas a vapor. O minério e mais tarde os concentrados de cobre eram enviados por barco para Inglaterra. A 17 de Janeiro de 1861 foi aprovado em portaria o regulamento da exploração mineira na mina de S. Domingos e os trabalhos de mineração a nível subterrâneo iniciaram-se em 1863. Durante o ano de 1864 foi aberto túnel de acesso à contramina e nas galerias antigas foram encontradas 10 rodas romanas de extração de água, sendo que uma das rodas presentemente está exposta no Museu de Artes e Ofícios de Paris, desconhecendo-se o paradeiro das restantes 9 rodas. Entretanto a Mason & Barry foi construindo habitações para albergar os mineiros e as suas famílias e uma série de equipamentos sociais (hospital, teatro, farmácia, clube recreativo, armazéns de víveres, igreja católica, cemitério protestante para a comunidade britânica instalada, palácio da administração) e industriais: oficinas, carpintaria, laboratório, central de produção de energia, sistema de extração de água do fundo da mina e entre 1863-65 foi construída a 3Km da zona de extração no sitio da Achada do Gamo uma fábrica de tratamento metalúrgico. Por volta de 1866, a cotação do cobre estava em baixa e com isso a administração da mina delineou um novo plano de exploração  e, no ano seguinte, começou a exploração a céu aberto (open pit) e para um melhor escoamento do minério implementou-se a locomotiva a vapor. 

Planta de Mina de São Domingos - 1874 - (C.E.M.S.D.)
Planta de Mina de São Domingos - 1874 - (C.E.M.S.D.)

Em 1868 a extração na Corta  atingia os 122 m de profundidade. Nos anos de 1871-73 seriam construídas barragens para fornecimento de água à mina e à população e com o avanço dos trabalhos na corta, foi necessário demolir quase toda a aldeia antiga e reconstruí-la no lugar em que hoje a encontramos.  

Corta da mina de São Domingos - 1870 - (C.E.M.S.D.)
Corta da mina de São Domingos - 1870 - (C.E.M.S.D.)

Durante os anos seguintes a extração cuprífera avançou a bom ritmo e por exemplo em 1876 aportaram no porto fluvial do Pomarão entre 400 a 500 navios e diariamente este porto escoava entre 1500t e 2000t de minério. Por esta altura trabalhavam na mina entre 1500 e 2000 pessoas. Em 1877 começaram a ser produzidos concentrados por via húmida na metalurgia da Achada do Gamo. Este método resultou num aumento das exportações com o inconveniente à posterior da acumulação de águas residuais ácidas e que se tornou num problema grave. Para resolver este problema foram expropriados vários terrenos à volta da mina para a construção de uma represa na bacia da Tapada com a capacidade de 1 448 000 m3 para conter as águas contaminadas que mais tarde, eram libertadas no Guadiana e no Chança em períodos de invernia quando os caudais subiam. A partir de 1892 e até ao início do seculo XX a cotação do cobre entrou em declínio por vários fatores entre os quais a concorrência de outras minas de cobre da FPI e os EUA passaram de importadores a exportadores de cobre. A partir de 1900 é retomada a produção devido essencialmente à pirite para o fabrico de ácido sulfúrico, cujo minério mais tarde veio a alimentar a Quimigal no Barreiro. Até aos anos 30 do seculo XX a mina de S. Domingos produziu 3 445 533 t de minério de cobre. Em 1934 foi construída uma fundição tipo Orkla, na Achada do Gamo, para a produção de enxofre e ácido sulfúrico.

Trituradora da Moitinha - 1955 - (C.E.M.S.D.)
Trituradora da Moitinha - 1955 - (C.E.M.S.D.)
Fabrica de Enxofre nº 2 - Achada do Gamo - 1955 - (C.E.M.S.D.)
Fabrica de Enxofre nº 2 - Achada do Gamo - 1955 - (C.E.M.S.D.)

 Mais tarde em 1943 foi construída outra fábrica do mesmo tipo para a produção de enxofre que seria a maior fonte de receita da mina até ao final da década de 50. Por esta altura os trabalhos subterrâneos atingiam os 300m de profundidade e durante os anos 60 a produção voltou-se para a indústria nacional devido à forte concorrência no mercado. O esgotamento dos recursos do depósito levaram ao encerramento da mina de S. Domingos em 1966 com a mina a atingir quase os 400 metros de profundidade e a quantidade impressionante de 25 milhões de toneladas de minério extraído em mais de um século de história.

Mineralogia

Calcantite - 7x6x5cm - Mina S. Domingos
Calcantite - 7x6x5cm - Mina S. Domingos
Gesso - 7x5x2cm - Mina S. Domingos
Gesso - 7x5x2cm - Mina S. Domingos

A representação mineralógica atual da mina de S. Domingos resume-se basicamente a minerais de neoformação por precipitação recolhidos nas escombreiras ou imediações da mina. O Cobre Nativo é um elemento de precipitação comum nas minas de cobre e em S. Domingos não é exceção, assim como vários sulfatos, designadamente o Alunógeneo, Calcantite, Melanterite, Copiapite, Halotriquite, Coquimbite, Jarosite, Gesso, etc. Na página do Mindat estão contabilizados 33 minerais com um mineral tipo representado pela Claudetite.

Cobre Nativo com 6cm - Mina S. Domingos
Cobre Nativo com 6cm - Mina S. Domingos

 Os minerais da zona de oxidação têm fraca representavidade o que é comum em quase todas as minas da Faixa Piritosa Ibérica devido à exploração massiva dos Gossans no início das explorações durante o final do século XIX e principio do século XX em que salvo algumas exceções, raramente recolhiam amostras dignas para coleções naturalistas. No Museu Nacional de História Natural de Lisboa encontra-se no seu acervo uma coleção de minerais que pertenceu a Oliveira Bello (1872-1935), a qual tem vários exemplares da mina de S. Domingos com representações de Cobre Nativo, Calcopirite e Hematite. 

Goethite - 8x7x4cm - Mina S. Domingos
Goethite - 8x7x4cm - Mina S. Domingos

 O antigo trabalho de Amílcar de Jesus - 1930, faz menção à ocorrência de Gesso, Bornite, Anglesite e  à Pirite que poderia aparecer nos encostos com cristalizações cúbicas e dodecaédricas. Não podia deixar de mencionar a Claudetite que foi descoberta pela primeira vez na mina de S. Domingos pelo químico francês Frédéric Claudet e que foi descrito por Dana em 1868 como um mineral de neoformação por sublimação face aos métodos metalúrgicos aplicados na altura com a combustão das pirites.

Martins da Pedra

 

Referencias:

JF-MFN_ocupacao territorio_MSD_Mertola_text.pdf - Jorge Ferreira, Maria de Fátima Nunes.

Centro de Estudos da Mina de São Domingos.

Minerais Portugueses, Pedras Soltas - Ricardo Pimentel. 

Mindat - São Domingos Mine, Corte do Pinto, Mértola, Beja, Portugal.